quinta-feira, 8 de abril de 2021

Não haverá segunda vez

Não somente no Brasil, mas em todos os recantos do planeta existem milhares de pessoas que adotam uma posição negacionista comum frente as incontestáveis evidências que comprovam, pela ciência e pela evidência, que o vírus que provocou a pandemia mata pessoas. Em pensamento convergente, incorporam-se a estes sujeitos àqueles que enxergam uma conspiração maliciosa na adoção de medidas estatais para enfrentar os efeitos do Coronavirus assim como outros que contestam, a eficácia das vacinas, o aquecimento global, e outros temas por demais conhecidos.

Multidões de jovens, e não tão jovens, mostram-se incapazes de submeter-se a determinações restritivas das liberdades sociais, não pelo fato de serem inconsequentes, imprudentes, irresponsáveis ou levianos (tanto faz uma definição ou outra), mas como resultado de uma clara postura de denegação (ou renegação).

Contrariamente ao que muitas pessoas pensam, a denegação não significa rejeitar ou negar um determinado fato ou situação. Renegar refere-se à recusa da percepção de uma evidência que se impõe no mundo exterior. É a evidência objetiva daquilo que está reprimido no inconsciente do sujeito.

Na denegação impõe-se um não explícito em contraposição a um sim reprimido. Devemos observar que um renegado, não afirma que uma determinada situação não existe, mas sua atitude está em contraposição a essa situação real. A terra é uma bola, porém minha posição está fincada no terraplanismo. Há evidências da esfericidade, porém defenderei a topologia plana.

Ao renegar das evidências aceito, inconscientemente, que a mesma existe. Sua atitude provoca uma profunda clivagem no seu comportamento: sabe da existência de um iminente perigo; a sua percepção do mesmo é concreta, porém, seu comportamento e suas atitudes o negam.

“O fumo mata milhões de pessoas, sei disso, porém, continuo fumando pois me traz prazer”.

Negar a pandemia e seus efeitos passa pela afirmação de que a mesma não existe, que é criação de indivíduos mal intencionados.

Mas como sustentar isso, frente ao caos instalado?

Não há como negar sua existência, rejeitar o óbvio, mostrado de forma permanente e continuada pelos diversos canais de comunicação de massa ao redor do mundo. O mundo em si, a própria humanidade, está frente a um perigo explicito, concreto e generalizado, que dificilmente encontra paralelo na história.

Àquele que denega esconde, nessa negativa, seu medo. Sua postura negacionista, mascara seu temor nas suas atitudes desafiadoras. Projeta, sobre si, uma imagem de força que no seu foro íntimo, não possui. Veste as roupas de super-herói sobre uma estrutura psíquica abalada pelo temor. Não há registros de experiências anteriores no seu subconsciente capazes de sinalizar o perigo de forma consistente. A realidade é visualizada como videogame. Uma realidade “virtual”, onde a vítima é “o outro”. Na sua percepção, os mortos não são seres humanos, mas escores registrados nos contadores estatísticos mostrados em gráficos coloridos e tabelas organizadas nas telas de altíssima definição dos aparelhos eletrônicos.

Existe uma dualidade de opiniões que se contrapõem permanentemente e exercem uma enorme pressão psíquica sobre esses sujeitos. A visão sanitarista, que conclama a população a se proteger, é permanentemente descontruída pela visão economista, que projeta imagens do desastre social resultante do fechamento das fontes de renda tais como comércio, indústria, escolas e similares. A desconstrução da realidade através dos mecanismos de distorção da informação, provocam um efeito de refração da verdade. Aquilo que percebemos não é real. A imagem real está deformada, e essa visão promove mecanismos psíquicos de rejeição dessa realidade.

“Nada irá me acontecer, milhares de pessoas pegaram uma simples gripe, os jogadores do meu time pegaram, passaram 10 dias em casa e estão jogando de novo...”

Frente a uma notícia desfavorável, que ofende ou compromete sua realidade, preferem matar o mensageiro e ignorar os perigos com que a realidade se apresenta.

Nem todas as pessoas reagem desta forma. Há aquelas que mergulham em depressão, aproveitando a oportunidade para se isolar do mundo. Outras são tomadas por angustias indescritíveis ou adotam posturas obsessivas de isolamento e bloqueio, transformando os necessários cuidados em rituais obsessivos de lavagem de mãos, utilização de álcool gel e máscaras protetoras, numa ação de permanente purificação e constrição, querendo se livrar de uma suposta culpabilidade frente ao perigo de serem contaminados. Indiscutivelmente, o ser humano, seja jovem ou maduro, deve conviver continuamente com níveis de insegurança ou incerteza decorrentes do cotidiano. Nada é totalmente seguro nem absolutamente perigoso. Sempre houve e haverá, em diferentes níveis, riscos a serem corridos. Porém, nas atuais circunstâncias, certamente os riscos ultrapassam todos os limites de segurança que possamos estabelecer. Ninguém está livre deles. Podemos, eventualmente, assumir riscos potencialmente menores, ao realizar certas atividades necessárias, atendendo todas as regras de proteção. Fazer compras em um supermercado ou numa farmácia, por exemplo. Faz parte das regras do jogo. Porém, ao participar com dezenas ou centenas de pessoas de uma balada, em um ambiente fechado, compartilhando espaços e utensílios com “conhecidos” ou “desconhecidos”, certamente não estaremos assumindo riscos potencialmente menores, mas jogando a roleta russa com uma arma carregada com 5 balas no tambor, de seis possíveis. Estamos sendo controlados por um mecanismo de massificação, onde as atitudes são adotadas pela identificação com “o outro”.

“Se meus amigos podem, eu posso. Se eles fazem, eu acompanho.”

Perde-se a singularidade racional no coletivo emocional. Não há individualidade de pensamento, avaliação de riscos, receio das consequências.

Marcha-se de forma anestesiada em direção ao caldeirão, sorrindo e desprezando todos os sinais de alerta. Caminha-se em direção ao inimigo, de peito aberto, sorrindo desafiante, na certeza de que nenhum projetil os abaterá.

Não haverá segunda vez. O fogo inimigo é cerrado e altamente eficiente. Só existe alternativa, se aceitamos permanecer na trincheira. Em silêncio. Aguardando pacientemente a luz do sol.          

Você pode concordar ou não, porém essa é minha opinião, aqui, somente entre nós.

 

Um comentário:

Psicóloga Ana Amélia disse...

Excelente reflexão da triste realidade que enfrentamos.