Antes de falarmos sobre a hipocrisia no discurso, me permito relatar um acontecimento histórico que certamente marcou um verdadeiro ponto de inflexão no desenvolvimento da humanidade, a qual teve, na sua evolução, momentos nos quais paradigmas solidamente enraizados foram substituídos por outros radicalmente diferentes.
A teoria Geocêntrica, postulada pelo
astrônomo grego Claudio Ptolomeu (100 – 168) no início da Era Cristã, foi
conceitualmente defendida em seu livro intitulado “Almagesto”. Ptolomeu,
como resultado da observação do movimento dos astros no céu, concluiu que a
Terra está posicionada no centro do Sistema Solar, e consequentemente os demais
astros orbitariam ao redor dela, fixados sobre esferas concêntricas que girariam
com diferentes velocidades. O Geocentrismo foi intensamente defendido pela
Igreja Católica, pois apresentava diversos aspectos de passagens bíblicas,
sendo chamados de hereges, e muitas vezes queimados em fogueiras, aqueles que
dela discordavam.
Quatorze séculos se passaram (1.400
anos!), até que essa teoria Geocêntrica fosse contestada pelo matemático e
astrônomo polonês Nicolau Copérnico (1473 – 1543), que propôs uma outra
estrutura do Sistema Solar, o Heliocentrismo. Nesta nova, e revolucionária
concepção, Copérnico postula que a Terra e os demais planetas se movem ao redor
do Sol, sendo este, o verdadeiro centro do Sistema Solar. A sucessão de dias e
noites é uma consequência do movimento de rotação da Terra sobre seu próprio
eixo. Este modelo (denominado de sistema copernicano), não foi aceito
pela Igreja Católica, que adotava a teoria do Geocentrismo, elaborada por
Ptolomeu. A Igreja Católica incluiu o livro “Das Revoluções dos Corpos
Celestes”, onde Copérnico descrevia sua teoria, no Índex – a lista dos
livros proibidos por heresia. O dogmatismo da igreja era tão forte, que
questionar a perfeição divina era realmente uma atitude extremamente perigosa,
para integridade pessoal.
O astrônomo Galileo Galilei
(1564-1642), através de suas observações, foi o primeiro cientista a comprovar,
de forma objetiva, que o sistema heliocêntrico de Copérnico estava solidamente
fundamentado. Não obstante, em 1633, sob ameaça de excomunhão e morte pela
Santa Inquisição, teve que negar formalmente as suas descobertas permanecendo suas convicções inabaladas[1]. 150
anos após a morte de Copérnico, o físico e matemático Isaac Newton (1642-1727)
desenvolveu uma base cientifica, baseada em princípios fundamentais da física,
para a gravitação dos planetas ao redor do Sol. Foi a comprovação definitiva do
heliocentrismo. Apesar de ser comprovada
de forma conclusiva, a teoria elaborada por Copérnico só viria a ser aceita
pelo Vaticano em 1835, quando o papa Gregório XVI admitiu, e corrigiu, o erro
dos seus antecessores. 300 anos se passaram até que a obra “Das Revoluções
dos Corpos Celestes” fora retirada da lista dos livros censurados pela
Santa Sé.
Este exemplo, extraído da história,
está sendo utilizado por mim, não como crítica à Igreja Católica, nem aos Papas.
Isso não vem ao caso nem é minha intenção. O objetivo é mostrar que, assim como
esta, milhares de outras diversas situações, permeiam a humanidade,
contaminando o verdadeiro saber e distorcendo a realidade dos fatos, com discursos
falsos e negacionistas, que passam a ser aceitos como verdades incontestáveis.
É o discurso hipócrita, aquele que é
afetado por um sentimento louvável que não se tem, que estabelece uma falsa
devoção a princípios etéreos, sem sustentação sólida. Construído sobre uma
coletânea de ideias e expressões recheadas de imposturas, fingimentos,
simulação e falsidades. Verdadeira demonstração de virtudes ou evidências,
inexistentes ou antagonistas daquelas que realmente permeiam os sentimentos.
O discurso hipócrita não é casual na
sua origem. Está fundamentado na intencionalidade da ação e tem como objetivo
distorcer a verdade, enganar, confundir, criar uma realidade paralela, negar a
evidência dos fatos, que são substituídos por falsas e distorcidas imagens e
afirmações. Esse negacionismo cria suas raízes na fertilidade propiciada pela ignorância
do sujeito. Assim se sustenta, e desenvolve seus tentáculos inoculando seu veneno,
subtraindo a capacidade de pensar.
Os venenos existem desde os primórdios
da existência, e com muita dor e sofrimento, as pessoas aprenderam a
reconhece-los e evita-los. Não são perigosos quando usados com sabedoria e bom
senso. São úteis e necessários para a própria sobrevivência do ser humano.
Antídotos foram descobertos e são utilizados para neutralizar seus efeitos.
O discurso hipócrita, é um poderoso veneno
que possui a capacidade de subjugar as pessoas, dominar suas ações e controlar
seu pensamento. Traz, na sua essência uma imensa energia subliminal, que
direciona, aglutina e comanda. É mutante, adaptativo, maleável. Não existe antídoto
para ele.
Há duas opções para enfrenta-lo:
A primeira consiste em despreza-lo em
favor da verdade, abrindo os olhos a realidade objetiva, rejeitando
radicalmente suas propostas e afirmações, arrancar suas raízes e destruir seus
frutos e sementes.
A segunda é aceita-lo, e penetrar de
mãos dadas na tenebrosa caverna do obscurantismo, dentro da qual dificilmente
encontraremos, o caminho de retorno, correndo o risco de permanecer na penumbra
para sempre.
Você pode concordar ou não, porém essa
é minha opinião, aqui, somente entre nós.
[1] “e pur si muove” é
uma locução italiana que significa: “e, contudo, ela move-se!" Esta frase foi pronunciada por Galileu
depois de haver sido obrigado pelo Santo Ofício a abjurar da pretendida heresia
de que a Terra gira no espaço sobre ele mesma, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008 -
2020 https://dicionario.priberam.org/e%20pur%20si%20muove [consultado em 24-12-2020].