Uma
teia é tecida lenta e cuidadosamente. Sem alarde. Sua resistência aumenta a
cada fio agregado. Praticamente invisível, dificilmente poderá ser evitada
pelas suas vítimas potenciais. É silenciosa, discreta e flexível. Não destrói
nem devora. Não provoca feridas dilacerantes. Simplesmente prende, aprisiona.
Na
sua transparência reside sua força. É muito difícil de ser notada. A percepção
de sua existência, poderá ser o primeiro sinal de que já não há retorno, de que
fomos capturados por ela.
Mas não
é exclusivo de florestas ou telhados sombrios o ambiente propiciador das
armadilhas caracterizadas pelas teias, tão sutis quanto poderosas. É na
privacidade do lar, ambiente supostamente protegido e privativo da família,
pretensamente iluminado e aquecido pela energia do amor que, com uma frequência
muito maior que a imaginada, imensas, envolventes e poderosas teias emocionais
são estendidas silenciosamente, com objetivo de capturar e sufocar sonhos,
desejos e liberdades. São as teias do relacionamento abusivo.
Avaliamos
como importante destacar algumas considerações que, em nosso entender, são
essenciais para um melhor entendimento destes conceitos:
As
teias as quais nos referimos não têm geração espontânea nem surgem do acaso. São
estendidas a partir de um primeiro fio ancorado num íntimo e perverso
sentimento de dominação. Têm, na sua criação, objetivos e propósitos claramente
definidos. Nascem pequenas, sutis, quase imperceptíveis. Se expandem lentamente,
concêntricas, aumentando progressivamente sua capacidade de reter, imobilizar,
asfixiar.
Um
relacionamento abusivo não possui características de dominância de gênero. Não
é sinônimo de machismo ou feminismo. Embora exista uma predominância evidente
de vítimas entre o sexo feminino, não devemos subestimar a situação oposta. Há
sim, multiplicidade de situações nas quais, o homem é objeto de manipulação
perversa pela sua companheira.
Embora
não necessariamente um relacionamento abusivo termine em tapas ou agressões
físicas de maior intensidade, caracteriza sim uma grave situação de violência
na relação visto que seus efeitos, deixam marcas dolorosas e profundas nas
pessoas, quebrando os sólidos alicerces nos quais deve ser fundado um convívio baseado
no amor e no respeito mútuos.
Isto
posto, devemos considerar que este tipo de relacionamento pode se estabelecer tanto
entre pessoas inicialmente fortes, instruídas, resolvidas e de bem com a vida, quanto
entre àquelas fragilizadas, menos afortunadas e carentes de suporte emocional e
material adequado que lhes permita levar uma vida, pelo menos digna e socialmente
aceitável. O relacionamento abusivo não escolhe classes sociais nem graus
acadêmicos. É necessário acabar com falsas premissas e clichês qualitativos e
estratificantes. Permeia todos os muros, níveis e categorias. Todos estamos
sujeitos a ele.
O
relacionamento abusivo não deve ser confundido com relacionamento conflitivo,
àquele onde um casal vive “às turras”, brigando e discutindo por assuntos
banais, ou procurando “pelos no ovo”, como é dito comumente. Não é este modelo
de convívio que estamos focando.
O
abuso geralmente se manifesta num ambiente que em nada se assemelha a uma
batalha doméstica. Há um padrão comportamental identificado, onde agressões e violência
física inexistem. O abusador,
mostra-se gentil, carinhoso, romântico e por vezes altamente apaixonado. Atrai
a presa para sua teia alimentando sua autoestima de forma intensa e envolvente.
Percebe-se um discurso amoroso, com declarações inflamadas, onde afagos
carinhosos e intensos elogios pessoais despertam emoções e sentimentos
represados.
Neste ponto, devemos abrir um parêntese
para esclarecer um aspecto chave que não podemos deixar de mencionar: O amor é
lindo, e nunca é demais. Uma manifestação carinhosa, um reconhecimento, um
elogio, quando espontâneo e natural, alimenta com sua energia a chama da
felicidade. É a essência da vida a dois.
A luz de advertência deve ser acessa
quando essas manifestações são exageradas, quando as provas de amor são
cobradas de forma intensa e repetitivas. É necessário perceber e saber diferenciar
uma declaração de amor espontânea daquela que tem, como objetivo mudar o foco,
ocultar uma eventual constatação de desvio ou, principalmente alterar uma situação
determinada para permitir uma alteração de percurso e assumir o controle.
Quando a relação está nas suas fases iniciais
de descobertas, onde a paixão se sobrepõe, tanto em intensidade quanto em
emoção, não é difícil identificar rompantes de amor e discursos inflamados. Não
são estes momentos que estamos considerando. O nosso foco está centrado naquele
relacionamento consolidado, estável ou pelo menos com certo grau de
“normalidade relacional e social”. Não há romantismo “pulsante”, oscilatório,
periódico. O amor é suave, permanente, continuado. É “no dia-a-dia” que se ama.
Quando a relação está pautada por
episódios cíclicos de brigas, humilhações, ciúmes, críticas banais e
desnecessárias, seguidas por momentos “especiais” de arrependimentos,
romantismo, atitudes compensatórias e singularmente apaixonadas, devemos parar
para pensar. Há, certamente uma luz de alerta se ascendendo.
Não se tapam buracos na relação com
romantismo, flores ou declarações apaixonadas. Os desentendimentos não podem
ser acobertados com presentes ou jantares à luz de velas. São as atitudes
diárias que falam mais alto. Surpresas, presentes, caixas de bombons ou elogios
ardentes não são demonstrações de amor. O amor se vive na pele, nas emoções, no
compartilhamento de momentos bons e ruins. Se consolida na rotina do conviver
em paz, não na excepcionalidade de um instante.
Promessas repetidas, regadas a
desculpas e arrependimento, certamente não frutificarão, pois estão
contaminadas com a intencionalidade. Não há sinceridade no pedido de perdão
reiterado.
Uma segunda faceta indicativa de um
possível relacionamento abusivo pode ser identificada nas eventuais propostas
realizadas, de forma indireta ou não, com intenção de promover mudanças
comportamentais na outra parte.
Não nos referimos as propostas críticas
realizadas de forma sincera e amorosa, com intenção construtiva, resultantes de
diálogos abertos e bem intencionados. Uma relação baseada no amor e na
sinceridade, permite a troca de opiniões francas assim como os diálogos
críticos dentro dos limites naturais do respeito a individualidade e
independência de escolha de cada um. Hábitos, gostos e costumes podem, e devem
ser revistos, sempre de forma propositiva e na intenção de melhorar e aprimorar
uma relação. Um casal aprende e evolui no diálogo e no amor, com tolerância e
respeito pelas escolhas individuais. Isso não representa submissão. Ouvir a
pessoa que nos ama ou aceitar sugestões dela, quando bem intencionadas, ajuda a
estabelecer uma relação de intimidade e parceria.
Quando as mudanças sugeridas envolvem
traços pessoais e particulares de comportamento, estrutura do pensamento ou
estilo de vida, para serem adequados à identidade e preferências do outro, estaremos
frente a uma invasão tóxica de nossa personalidade.
O abusador, de forma sutil, porém
consistente, buscará mostrar que uma atitude correta, um modo certo de pensar
ou agir está sempre assentado na sua própria forma de enxergar as coisas. Seu
corte de cabelo, suas roupas, suas escolhas pessoais, suas amizades, seus perfumes,
os livros que você lê, seus cursos e atividades acadêmicas, enfim, as
características próprias de sua personalidade serão questionadas indiretamente.
Não haverá uma crítica objetiva e contundente, mas comentários depreciativos e
desaprovadores do tipo:
- “Isso não está errado, claro. Porém
ficaria melhor em você assim ou de tal forma...”
- “Esse perfume é doce demais para
você... prefiro tal outro...”
- “Não entendo como você pode
gostar disso..., eu prefiro assim.”
- “Essa roupa fica melhor em pessoas
magras... acho melhor para você, essa outra.”
- “Esse curso é totalmente sem futuro... para
você melhor seria...”
Errado. Nos termos acima expostos, o
que realmente está acontecendo é uma verdadeira submissão da individualidade,
um cancelamento da identidade. A liberdade de pensar, de gostar, de ser, desejar
e sonhar, é bloqueada. As emoções são anuladas, o prazer é substituído pela
insegurança e o medo. Não há amor nessa relação. Ele morreu na sutil teia da
dor.
Você pode
concordar ou não, porém essa é minha opinião, aqui, somente entre nós.
Um comentário:
Muito bom! Excelente !
Postar um comentário