Todos nós, como seres humanos, desde a concepção até o último alento, passamos por um processo contínuo de adequação e mudanças, sejam elas orgânicas, psíquicas ou sociais. Vivemos numa permanente construção e aperfeiçoamento do ser, com um objetivo primordial: sobreviver o quanto e o melhor que for possível.
Sigmund Freud, no seu trabalho “Sobre
a psicoterapia” (1905)[1] faz
referência a duas expressões utilizadas por Leonardo da Vinci, ao referir-se às
belas artes: “A pintura opera por via di porre, pois aplica uma
substância, a tinta (formada por partículas de cor) onde nada existia antes, na
tela incolor. A escultura, contudo, processa-se por via de levare, visto
que retira do bloco de pedra tudo o que oculta a superfície da estatua nele
contida.”
Pedindo licença e desculpas a estas
duas imensas personalidades da humanidade, utilizarei essas expressões para
falar sobre a construção e aperfeiçoamento do ser humano, mencionada
anteriormente.
De forma análoga a uma pintura de alta
complexidade artística, o homem desenvolve sua estrutura bio-psico-social por
via de porre através do agregado de sucessivas camadas de conhecimentos,
experiências e relacionamentos que, a cada instante, são incorporadas como
resultante do processo de aprendizado contínuo ao qual estamos permanentemente
submetidos. Tintas e cores aplicados ao longo da vida por múltiplos e
diferentes artistas: pais, mestres, parentes, amigos, esposos, filhos, netos,
enfim, todos e cada um daqueles que em algum momento interagem ou se cruzam em
nosso caminho.
Essa obra fica, a cada dia, mais perto
do seu acabamento final, que coincide com o momento de nossa despedida.
Porém, como seres humanos, jamais
estaremos completos, se a estrutura bio-psico-social já mencionada, não for
cinzelada cuidadosamente por via de levare. Devemos arrancar, camada
após camada, e modelar, a pedra que nos sufoca, que nos aprisiona dentro de um
bloco rígido, que nos paralisa. Martelo e cinzel devem retirar de nossa alma o
ódio. Quebrar o bloco do rancor. Somos imobilizados pelo medo, e dele devemos
nos livrar. O amargo nos envenena. O silêncio nos afasta. São camadas e mais
camadas que conformam a pedra no seu estado mais bruto. Não há, nela, brilho,
suavidade, forma. Tudo é áspero e agudo.
Somente depois de retiradas essas
camadas grosseiras, poderemos descobrir a figura suave, brilhante e formosa,
escondida no bloco sólido de nossa alma.
O ser humano deve ser
ininterruptamente construído, passo a passo, por via de porre e por
via de levare. Utilizando a suavidade do pincel que colore e dá vida a
nosso ser, e a força do cinzel e martelo, que retira de nós a rigidez da pedra
que sufoca nossos sentimentos e nossa alma.
Você pode concordar ou não, porém essa
é minha opinião, aqui, somente entre nós.
[1]
Freud, Sigmund. Obras psicológicas completas de Sigmund Freud; edição standard
brasileira. Volume VII. Apêndice: Sobre a Psicoterapia. (p. 247). Rio de
Janeiro. Imago, 1996.
Um comentário:
Que possamos ir nos construindo continuamente.
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